Pedagogia da Autonomia - Resenha
Por: Walter
Paulo Freire (1996). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários
à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 165 p.
Review by Claudilene Sena de Oliveira Kerber (CELES). (First appeared in: La
Salle: Revista de Educação;, Ciência e Cultura/Centro Educacional La Salle de
Ensino Superior (CELES) v. 3, n. 7, (Outono de 1998). Reproduced with permission.)
Freire introduz Pedagogia da autonomia explicando suas razões para analisar a
prática pedagógica do professor em relação à autonomia de ser e de saber do
educando. Enfatiza a necessidade de respeito ao conhecimento que o aluno traz
para a escola, visto ser ele um sujeito social e histórico, e da compreensão
de que "formar é muito mais do que puramente treinar o educando no
desempenho de destrezas" (p.. 15). Define essa postura como ética e
defende a idéia de que o educador deve buscar essa ética, a qual chama de
"ética universal do ser humano"(p. 16), essencial para o trabalho
docente.
Não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da decisão, da ruptura, da
opção, como sujeitos históricos, transformadores, a não ser assumindo-nos
como sujeitos éticos (...) É por esta ética inseparável da prática
educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com adultos, que
devemos lutar (p. 17 e 19).
Em sua análise, menciona alguns itens que considera fundamentais para a prática
docente, enquanto instiga o leitor a criticá-lo e acrescentar a seu trabalho
outros pontos importantes. Inicia afirmando que "não há docência sem
discência" (p. 23), pois "quem forma se forma e re-forma ao formar, e
quem é formado forma-se e forma ao ser formado" (p.25). Dessa forma, deixa
claro que o ensino não depende exclusivamente do professor, assim como
aprendizagem não é algo apenas de aluno. "Não há docência sem discência,
as duas se explicam, e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não
se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar,
e quem aprende ensina ao aprender" (p. 25).
Justifica assim o pensamento de que o professor não é superior, melhor ou mais
inteligente, porque domina conhecimentos que o educando ainda não domina, mas
é, como o aluno, participante do mesmo processo da construção da
aprendizagem.
Segue sua análise colocando como absolutamente necessário o rigor metódico e
intelectual que o educador deve desenvolver em si próprio, como pesquisador,
sujeito curioso, que busca o saber e o assimila de uma forma crítica, não ingênua,
com questionamentos, e orienta seus educandos a seguirem também essa linha
metodológica de estudar e entender o mundo, relacionando os conhecimentos
adquiridos com a realidade de sua vida, sua cidade, seu meio social. Afirma que
"não há ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino" (p. 32). Esse
pesquisar, buscar e compreender criticamente só ocorrerá se o professor souber
pensar. Para Freire, saber pensar é duvidar de suas próprias certezas,
questionar suas verdades. Se o docente faz isso, terá facilidade de desenvolver
em seus alunos o mesmo espírito.
O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das
bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos,
é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo (...) Ensinar,
aprender e pesquisar lidam com dois momentos: o em que se aprende o conhecimento
já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não
existente (p.31).
Ensinar, para Freire, requer aceitar os riscos do desafio do novo, enquanto
inovador, enriquecedor, e rejeitar quaisquer formas de discriminação que
separe as pessoas em raça, classes... É ter certeza de que faz parte de um
processo inconcluso, apesar de saber que o ser humano é um ser condicionado,
portanto há sempre possibilidades de interferir na realidade a fim de modificá-la.
Acima de tudo, ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando.
O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é imperativo ético e não um
favor que podemos ou não conceder uns aos outros (...) O professor que
desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude,
a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor
que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que "ele se ponha em seu
lugar" ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o
professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor limites à
liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente
presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios
fundamentalmente éticos de nossa existência (p. 66).
É importante que professores e alunos sejam curiosos, instigadores. "É
preciso, indispensável mesmo, que o professor se ache repousado no saber de que
a pedra fundamental é a curiosidade do ser humano" (p. 96). Faz-se necessário,
portanto, que se proporcionem momentos para experiências, para buscas. O
professor precisa estar disposto a ouvir, a dialogar, a fazer de suas aulas
momentos de liberdade para falar, debater e ser aberto para compreender o querer
de seus alunos. Para tanto, é preciso querer bem, gostar do trabalho e do
educando. Não com um gostar ou um querer bem ingênuo, que permite atitudes
erradas e não impõe limites, ou que sente pena da situação de menos
experiente do aluno, ou ainda que deixa tudo como está que o tempo resolve, mas
um querer bem pelo ser humano em desenvolvimento que está ao seu lado, a ponto
de dedicar-se, de doar-se e de trocar experiências, e um gostar de aprender e
de incentivar a aprendizagem, um sentir prazer em ver o aluno descobrindo o
conhecimento.
É digna de nota a capacidade que tem a experiência pedagógica para despertar,
estimular e desenvolver em nós o gosto de querer bem e gosto da alegria sem a
qual a prática educativa perde o sentido. É esta força misteriosa, às vezes
chamada vocação, que explica a quase devoção com que a grande maioria do
magistério nele permanece, apesar da imoralidade dos salários. E não apenas
permanece, mas cumpre, como pode, seu dever (p. 161).
Nessa obra, portanto, expondo os saberes que considera necessários à prática
docente, Paulo Freire orienta ao mesmo tempo que incentiva os educadores e
educadoras a refletirem sobre seus fazeres pedagógicos, modificando aquilo que
acharem preciso, mas especialmente aperfeiçoando o trabalho, além de fazerem a
cada dia a opção pelo melhor, não de forma ingênua, mas com certeza de que,
se há tentativas, há esperanças e possibilidades de mudanças daquilo que em
sua visão necessita mudar.
Resumo do livro Pedagogia da Autonomia
A Pedagogia da Autonomia é um livro pequeno em tamanho, mas gigante em esperança
e otimismo, que condena as mentalidades fatalistas que se conformam com a
ideologia imobilizante de que "a realidade é assim mesmo, que podemos
fazer?" Para estes basta o treino técnico indispensável à sobrevivência.
Em Paulo Freire, educar é construir, é libertar o ser humano das cadeias do
determinismo neoliberal, reconhecendo que a história é um tempo de
possibilidades. É um "ensinar a pensar certo" como quem "fala
com a força do testemunho". É um "ato comunicante,
co-participado", de modo algum produto de uma mente
"burocratizada". No entanto, toda a curiosidade de saber exige uma
reflexão crítica e prática, de modo que o próprio discurso teórico terá de
ser aliado à sua aplicação prática.
Ensinar é algo de profundo e dinâmico onde a
questão de identidade cultural que atinge a dimensão individual e a classe dos
educandos, é essencial à "prática educativa progressista".
Portanto, torna-se imprescindível "solidariedade social e política para
se evitar um ensino elitista e autoritário como quem tem o exclusivo do
"saber articulado". E de novo, Freire salienta, constantemente, que
educar não é a mera transferência de conhecimentos, mas sim conscientização
e testemunho de vida, senão não terá eficácia.
Igualmente, para ele, educar é como viver, exige a consciência do inacabado
porque a "História em que me faço com os outros (...) é um tempo de
possibilidades e não de determinismo"(p.58). No entanto, tempo de
possibilidades condicionadas pela herança do genético, social, cultural e histórico
que faz dos homens e das mulheres seres responsáveis, sobretudo quando "a
decência pode ser negada e a liberdade ofendida e recusada"(p.62).
Segundo Freire, "o educador que 'castra' a curiosidade do educando em nome
da eficácia da memorização mecânica do ensino dos conteúdos, tolhe a
liberdade do educando, a sua capacidade de aventurar-se. Não forma,
domestica"(p.63). A autonomia, a dignidade e a identidade do educando tem
de ser respeitada, caso contrário, o ensino tornar-se-á "inautêntico,
palavreado vazio e inoperante"(p.69). E isto só é possível tendo em
conta os conhecimentos adquiridos de experiência feitos" pelas crianças e
adultos antes de chegarem à escola.
Para Freire, o homem e a mulher são os únicos
seres capazes de aprender com alegria e esperança, na convicção de que a
mudança é possível. Aprender é uma descoberta criadora, com abertura ao
risco e a aventura do ser, pois ensinando se aprende e aprendendo se ensina.
Neste sentido, afirma que qualquer iniciativa de alfabetização só toma dimensão
humana quando se realiza a "expulsão do opressor de dentro do
oprimido", como libertação da culpa (imposta) pelo "seu fracasso no
mundo". Por outro lado, Freire insiste na "especificidade humana"
do ensino, enquanto competência profissional e generosidade pessoal, sem
autoritarismos e arrogância. Só assim, diz ele, nascerá um clima de respeito
mútuo e disciplina saudável entre "a autoridade docente e as liberdades
dos alunos, (...) reinventando o ser humano na aprendizagem de sua
autonomia"(p.105). Conseqüentemente, não se poderá separar "prática
de teoria, autoridade de liberdade, ignorância de saber, respeito ao professor
de respeito aos alunos, ensinar de aprender” (p.106-107).
A idéia de coerência profissional, indica que o ensino exige do docente
comprometimento existencial, do qual nasce autêntica solidariedade entre
educador e educandos, pois ninguém se pode contentar com uma maneira neutra de
estar no mundo. Ensinar, por essência, é uma forma de intervenção no
mundo, uma tomada de posição, uma decisão, por vezes, até uma ruptura com o
passado e o presente. Pois, quando fala de "educação como intervenção",
Paulo Freire refere-se a mudanças reais na sociedade: no campo da economia, das
relações humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação,
à saúde(...)"(p.123), em referência clara a situação no Brasil e
noutros países da América Latina.
Para Freire, a educação é ideológica mas
dialogante e atentiva, para que se possa estabelecer a autêntica comunicação
da aprendizagem, entre gente, com alma, sentimentos e emoções, desejos e
sonhos. A sua pedagogia é "fundada na ética, no respeito à dignidade e
à própria autonomia do educando"(p.11). E é "vigilante contra todas
as práticas de desumanização"(p.12). É necessário que "o
saber-fazer da auto reflexão crítica e o saber-ser da sabedoria exercitada
ajudem a evitar a "degradação humana" e o discurso fatalista da
globalização"(p.12).
Para Paulo Freire o ensino é muito mais que uma profissão, é uma missão que
exige comprovados saberes no seu processo dinâmico de promoção da autonomia
do ser de todos os educandos. Os princípios enunciados por Paulo Freire, o
homem, o filósofo, o Professor que por excelência verdadeiramente promoveu a
inclusão de todos os alunos e alunas numa escolaridade que dignifica e respeita
os educandos porque respeita a sua leitura do mundo como ponte de libertação e
autonomia de ser pensante e influente no seu próprio desenvolvimento. A
Pedagogia da Autonomia é sem dúvida uma das grandes obras da humanidade em
prol duma educação que respeita todo o educando (incluindo os mais
desfavorecidos) e liberta o seu pensamento de tradições desumanizantes -
porque opressoras. A esperança e o otimismo na possibilidade da mudança
são um passo gigante na construção e formação científica do professor ou
da professora que "deve coincidir com sua retidão ética" (p.18).
Paulo Freire, um Professor que através da sua vida não só procurou perceber
os problemas educativos da sociedade brasileira e mundial, mas propôs uma prática
educativa para os resolver. Esta ensina os professores e as professoras a
navegar rotas nos mares da educação orientados por uma bússola que aponta
entre outros os seguintes pontos cardeais:
a rigorosidade metódica e a pesquisa, a ética e estética, a competência
profissional, o respeito pelos saberes do educando e o reconhecimento da
identidade cultural, a rejeição de toda e qualquer forma de discriminação, a
reflexão crítica da prática pedagógica, a corporeificação, o saber
dialogar e escutar, o querer bem aos educandos, o ter alegria e esperança, o
ter liberdade e autoridade, o ter curiosidade, o ter a consciência do
inacabado... Como princípios basilares a uma prática educativa que transforma
educadores e educandos e lhes garante o direito a autonomia pessoal na construção
duma sociedade democrática que a todos respeita e dignifica.
Paulo Freire demonstra a todos os falantes da língua portuguesa, acostumados à
maneira masculina de ver o mundo, a qual tem mantido invisível metade da
humanidade os seres femininos, que a língua Portuguesa também nos proporciona
as possibilidades do uso de linguagem que respeita a comparticipação visível
e dignificante da mulher no mundo atual. Para Paulo Freire não existe
unicamente o homem, o professor, o aluno, o pai mas também a mulher, a
professora, a aluna, a mãe! A impressão geral do livro é que Paulo Freire
escreve e discursa, acima de tudo, com amor pelo que faz. O autor vai lentamente
introduzindo conceitos que se misturam e se complementam, às vezes de maneira
sutil, e em outras ocasiões de maneira objetiva e absolutamente sincera. Uma
das principais mensagens que o autor deixa nesta obra, ao meu ver, é o
significado do ensinar. É com a mais brilhante vocação que o autor mostra em
simples palavras que ensinar é todo um processo de troca entre aluno e
professor, onde ambos aprendem, ambos adquirem e sanam dúvidas, ambos crescem
como seres humanos. É a mensagem de que para ensinar precisamos, antes de mais
nada, ter a consciência da importância e da beleza desta tarefa, da importância
de se poder fazer a diferença num sistema socio-econômico-político com
certezas às vezes tão opressoras e cruéis àqueles que não dispõe de meios
financeiros para obter cultura e informação. Enfim, o professor Paulo Freire
nos dá uma aula de ensinar, e nos fornece com um pensamento livre e despojado
uma grande inspiração: de que ensinar vale a pena.
Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Paulo Freire
A temática central deste livro é a formação de professores, inserida numa
reflexão sobre a prática educativo- progressista em favor da AUTONOMIA dos
alunos (pois FORMAR é muito mais do que simplesmente EDUCAR).Na verdade, o
enfoque não foge muito do que poderia ser chamado de "ética do
ensino", procurando alertar o leitor sobre a diferença entre treinar,
ensinar e educar, temas freqüentes na obra deste autor.
Grande parte do livro é dedicada a discussões sobre o quanto as atitudes que o
professor toma dentro de sala e fora dela influenciam o que ele passa para seus
alunos, englobando desde recomendações sobre a tomada de consciência de que
os alunos têm uma cultura e uma curiosidade que precedem a imposição da
escola, a discussão sobre a mudança de "curiosidade ingênua" para
"curiosidade epistemológica" (que não diferem em sua essência, mas
em sua complexidade, pois enquanto aquela se baseia apenas na experiência
cotidiana, esta é dotada do rigor metódico, do criticismo), até a consideração
dos educandos como seres humanos, portanto, seres histórico-sociais dotados de
uma noção mínima de ética. O autor não fecha os olhos para as injustiças
que acontecem com os "esfarrapados do mundo". Está ao lado deles,
embora não aceite que, para que as injustiças acabem, ações terroristas
sejam tomadas.
Os professores têm grande responsabilidade ao ensinar e devem ser dotados de ÉTICA
(universal do ser humano, sem cinismos), sendo esta intimamente relacionada ao
seu preparo científico, combatendo a malvadez da ética de mercado mundial
(baseada em lucros). Paulo Freire beira o moralismo quando se põe a discutir
sobre os preconceitos embutidos consciente ou insconscientemente no processo
educativo. Discute desde frases do tipo "Maria é negra, mas é bondosa e
competente" e até justifica sua raiva frente a posturas deste tipo. Beira
o moralismo também quando se refere a crianças de escola pública que depredam
o próprio patrimônio (ou seja, a escola), porque "como cobrar das crianças
um mínimo de respeito (...) se o Poder Público revela absoluta desconsideração
à coisa pública?". Ele mesmo percebe isso, e freqüentemente se dirige ao
leitor para que ele lembre que não está sendo descrita uma "educação de
anjos", mas uma "educação de homens e mulheres". Talvez isso
seja uma reflexão de ideologia esquerdista, sobre a qual também existe menção,
tendo como foco os professores que se dizem "progressistas" mas se
renderam à rotina neocapitalista. Freire parece, então, não utópico, mas
excessivamente confiante na vontade das pessoas de se tornarem melhores (i.e.
apoiarem atitudes "progressistas"). Existe ainda uma preocupação com
a caracterização do meio escolar como um meio de convívio social onde existem
exemplos humanos além dos que se encontram nos livros didáticos, e como o
professor é um desses exemplos, ele deve ter plena consciência disso, e
portanto julgar as próprias ações. Freire não insiste, neste livro, no
aspecto teórico da epistemologia, mas sempre recomenda a postura crítica
frente a qualquer atitude, seja ela um conteúdo escolar ou não, porque essa
postura crítica é o que caracteriza a "curiosidade epistemológica"
e permite que, uma vez identificados os erros, sejam feitas mudanças. E essas
mudanças são aquelas que levariam à melhoria das condições de vida de cada
um, ou ao progresso.
Freire tem, no entanto, várias distorções de visão, pois além de várias
vezes ser utópico, sugere que se leve discussões políticas para a sala de
aula (o que é negativo para a formação de Ciências Sociais, porque a
ideologia do professor contamina o que ele se dispuser a discutir) e ainda tem
uma visão excessivamente centrada no ser humano, colocando animais (inclusive
mamíferos) como seres inferiores (o que é negativo principalmente na formação
de Ciências Naturais).
Com base nestes apontamentos iniciais, podem ser citadas algumas das considerações
sobre a prática docente: 1) Deve existir uma reflexão crítica entre a relação
Teoria/ Prática, para que nenhuma perca seu sentido ou importância.2) O
professor não pode somente transferir conhecimento, devendo haver uma troca de
ensinamentos e aprendizagens entre educador e educando (este, cada vez mais
curioso, poderá criar sempre mais). O professor deve estar aberto aos
questionamentos e dificuldades dos alunos. Entretanto, se o aluno foi submetido
a um falso ensinar, isto não significa que ele está condenado, pois se ele
tiver curiosidade e capacidade de se arriscar, pode superar esta falha. 3) É
preciso reforçar a capacidade crítica do educando e sua insubmissão, dentro
de uma rigorosidade metódica, para que ele não se torne um simples "memorizador".
4) Os conhecimentos dos alunos têm que ser respeitados, principalmente daqueles
vindos de classes mais baixas, e aplicá-los aos conteúdos ensinados (REALIDADE
DENTRO DO APRENDIZADO). 5) A crítica deve estar inserida no ensino, a partir da
curiosidade dos alunos. Esta, inicialmente ingênua, ao ser superada, pode
tornar- se epistemológica, com a aplicação da prática pedagógico-
progressista. 6) Necessidade de decência e pureza (que não pode ser entendida
como puritanismo). Se o ensino for transformado em pura técnica, o educador
distancia- se da ética.
- Não deve haver discriminação, pois esta prática fere a dignidade do ser
humano e não se aplica à democracia. 7) É necessário ensinar o educando a
PENSAR CERTO. 8) Deve- se assumir a identidade cultural de cada um, assunção
esta incompatível com os pensamentos elitistas. 9) O professor tem que estar
ciente de que suas atitudes podem influenciar profundamente a vida de um aluno,
positiva ou negativamente. 10) O conhecimento do professor precisa ser vivido
por ele, encarnado, para que se transforme em prática aplicável.11) O ensino e
sua prática não podem ser tratados como algo definitivo, são passíveis de
mudança. O ser humano também é inacabado e justamente por isso, o ato de
ensinar/aprender deve ser permanente. 12) É necessária a consciência de que
as pessoas podem ser CONDICIONADAS de acordo com o meio. Porém, isto não
significa que elas sejam DETERMINADAS por ele (os obstáculos não são
eternos). 13) O respeito pela autonomia do aluno é exigido pela ética. Cada um
possui particularidades e pensamentos que não podem ser minimizados ou
ridicularizados. Se isto acontecer, a ética é transgredida.
- Bom senso. Autoridade não pode ser entendida como autoritarismo. O professor
tem que entender, em certas ocasiões, pontos falhos do aluno. Ao invés de
reprimi-lo, tem que ajudá-lo, com humildade e tolerância. 14) Sobre a avaliação:
seria boa uma forma na qual fosse feita junto com os alunos, pois a avaliação
é para eles, e não para o educador. 15) Para a realização da docência
decente, devem existir condições favoráveis, higiênicas, espaciais e estéticas.
O corpo docente deve lutar pelos seus direitos (como um salário digno), isto
faz parte da prática de lecionar. 16) Se a educação é ofendida
(principalmente nas escolas públicas), o professor deve tomar uma postura política
que o permita lutar contra esta ofensa, além de repensar sobre a eficácia das
greves. 17) Deve haver alegria e esperança. A esperança faz parte do ser
humano, e negá-la contradiz a prática progressista da educação e a ética
(sempre contra a frase: "O QUE FAZER? A REALIDADE É ASSIM MESMO").
18) O futuro deve ser tratado como problema, que pode ser solucionado, e não
como inexorável. Com base nisso, o professor tem que estar convencido de que
mudanças são possíveis, por exemplo, com relação aos favelados e aos sem-
terra. 19) O professor, assim como o aluno, também é movido pela curiosidade.
Ela é a mola propulsora do aprendizado e do ensino do educador, da construção
e produção de conhecimentos. Proporciona um diálogo entre o professor e o
aluno. Porém, este diálogo não deve ser tratado como apenas um vai- vem de
perguntas e respostas: momentos explicativos do educador são necessários. 20)
É preciso tomar muito cuidado com a relação autoridade- liberdade, sempre
ameaçadas pela prática do autoritarismo e da licenciosidade, prática esta que
pode acabar levando a disciplina à indisciplina. 21) O educador tem que ser
seguro, competente e generoso, atitudes estas que exigem esforço e moralidade.
22) Não se deve falar de cima para baixo, achar que é o dono da verdade. Um
educador não deve falar PARA o educando, mas sim COM ele, e isso só é possível
quando o educador sabe escutar. Porém, a escuta não deve ser passiva, ela é
uma boa forma de se fazer questionamentos sobre o que está sendo exposto, de
defender uma opinião própria. Isto pode ser refletido numa maneira crítica e
justa de avaliação.
Existem, então, após todos estes apontamentos, algumas relações que nunca
podem ser desenlaçadas, para que a pedagogia da autonomia seja aplicável:
ensino dos conteúdos com formação ética dos educandos, prática com teoria,
ignorância com saber (seja de educador ou educando), autoridade com liberdade,
respeito ao professor com respeito ao aluno, ensinar com aprender. Todas elas
devem ser respeitadas e tratadas com responsabilidade. Aspectos políticos também
sempre devem ser levados em conta. Classes dominantes enxergam a educação como
IMOBILIZADORA E OCULTADORA de verdades. Entretanto, a educação é uma forma de
se intervir no mundo. Contudo, deve ficar muito claro para o educador que a
autonomia não vem de um dia para o outro, leva tempo para ser construída. Um
grande cuidado também é extremamente necessário ao educador: de que a educação
é ideológica e que, dependendo da ideologia, ele pode acabar aceitando idéias
perigosas (o mundo é assim, não está assim, por exemplo).
E, por fim, deve ficar muito claro que uma docência decente, de qualidade, não
se separa da afetividade que o professor tem por seus alunos (embora ela não
deva interferir, por exemplo na avaliação, e nem signifique que o educador
deva amar todos seus alunos de maneira igual).
Freire introduz a Pedagogia da Autonomia explicando suas razões para analisar a
prática pedagógica do professor em relação à autonomia de ser e de saber do
educando. Enfatiza a necessidade de respeito ao conhecimento que o aluno traz
para a escola, visto ser ele um sujeito social e histórico, e da compreensão
de que "formar é muito mais do que puramente treinar o educando no
desempenho de destrezas" (p.. 15). Define essa postura como ética e
defende a idéia de que o educador deve buscar essa ética, a qual chama de
"ética universal do ser humano" (p. 16), essencial para o trabalho
docente. Não podemos nos assumir como sujeitos da procura, da decisão, da
ruptura, da opção, como sujeitos históricos, transformadores, a não ser
assumindo-nos como sujeitos éticos (...) É por esta ética inseparável da prática
educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com adultos, que
devemos lutar (p. 17 e 19). Em sua análise, menciona alguns itens que considera
fundamentais para a prática docente, enquanto instiga o leitor a criticá-lo e
acrescentar a seu trabalho outros pontos importantes. Inicia afirmando que
"não há docência sem discência" (p. 23), pois "quem forma se
forma e re-forma ao formar, e quem é formado forma-se e forma ao ser
formado" (p.25). Dessa forma, deixa claro que o ensino não depende
exclusivamente do professor, assim como aprendizagem não é algo apenas de
aluno. "Não há docência sem discência, as duas se explicam, e seus
sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição
de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao
aprender" (p. 25). Justifica assim o pensamento de que o professor não é
superior, melhor ou mais inteligente, porque domina conhecimentos que o educando
ainda não domina, mas é, como o aluno, participante do mesmo processo da
construção da aprendizagem.
Segue sua análise colocando como absolutamente necessário o rigor metódico e
intelectual que o educador deve desenvolver em si próprio, como pesquisador,
sujeito curioso, que busca o saber e o assimila de uma forma crítica, não ingênua,
com questionamentos, e orienta seus educandos a seguirem também essa linha
metodológica de estudar e entender o mundo, relacionando os conhecimentos
adquiridos com a realidade de sua vida, sua cidade, seu meio social. Afirma que
"não há ensino sem pesquisa nem pesquisa sem ensino" (p. 32). Esse
pesquisar, buscar e compreender criticamente só ocorrerá se o professor souber
pensar. Para Freire, saber pensar é duvidar de suas próprias certezas,
questionar suas verdades. Se o docente faz isso, terá facilidade de desenvolver
em seus alunos o mesmo espírito.
O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das
bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos,
é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo (...) Ensinar,
aprender e pesquisar lidam com dois momentos: o em que se aprende o conhecimento
já existente e o em que se trabalha a produção do conhecimento ainda não
existente (p.31). Ensinar, para Freire, requer aceitar os riscos do desafio do
novo, enquanto inovador, enriquecedor, e rejeitar quaisquer formas de discriminação
que separe as pessoas em raça, classes... É ter certeza de que faz parte de um
processo inconcluso, apesar de saber que o ser humano é um ser condicionado,
portanto há sempre possibilidades de interferir na realidade a fim de modificá-la.
Acima de tudo, ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando. O
respeito à autonomia e à dignidade de cada um é imperativo ético e não um
favor que podemos ou não conceder uns aos outros (...) O professor que
desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude,
a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor
que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que "ele se ponha em seu
lugar" ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o
professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor limites à
liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente
presente à experiência formadora do educando, transgride os princípios
fundamentalmente éticos de nossa existência (p. 66). É importante que
professores e alunos sejam curiosos, instigadores. "É preciso, indispensável
mesmo, que o professor se ache repousado no saber de que a pedra fundamental é
a curiosidade do ser humano" (p. 96). Faz-se necessário, portanto, que se
proporcionem momentos para experiências, para buscas. O professor precisa estar
disposto a ouvir, a dialogar, a fazer de suas aulas momentos de liberdade para
falar, debater e ser aberto para compreender o querer de seus alunos. Para
tanto, é preciso querer bem, gostar do trabalho e do educando. Não com um
gostar ou um querer bem ingênuo, que permite atitudes erradas e não impõe
limites, ou que sente pena da situação de menos experiente do aluno, ou ainda
que deixa tudo como está que o tempo resolve, mas um querer bem pelo ser humano
em desenvolvimento que está ao seu lado, a ponto de dedicar-se, de doar-se e de
trocar experiências, e um gostar de aprender e de incentivar a aprendizagem, um
sentir prazer em ver o aluno descobrindo o conhecimento. É digna de nota a
capacidade que tem a experiência pedagógica para despertar, estimular e
desenvolver em nós o gosto de querer bem e gosto da alegria sem a qual a prática
educativa perde o sentido. É esta força misteriosa, às vezes chamada vocação,
que explica a quase devoção com que a grande maioria do magistério nele
permanece, apesar da imoralidade dos salários. E não apenas permanece, mas
cumpre, como pode, seu dever (p. 161). Nessa obra, portanto, expondo os saberes
que considera necessários à prática docente, Paulo Freire orienta ao mesmo
tempo que incentiva os educadores e educadoras a refletirem sobre seus fazeres
pedagógicos, modificando aquilo que acharem preciso, mas especialmente aperfeiçoando
o trabalho, além de fazerem a cada dia a opção pelo melhor, não de forma ingênua,
mas com certeza de que, se há tentativas, há esperanças e possibilidades de
mudanças daquilo que em sua visão necessita mudar.
Uma das tarefas primordiais dos educadores é trabalhar com os educandos a
rigorosidade metódica com que devem se aproximar dos objetos cognicíveis.
Resgatar nos saberes cotidianos, ainda que vindos de curiosidade ingênua, o estímulo
à capacidade criadora do educando. A superação da ingenuidade levando à
criticidade segundo pensar correto de Freire demanda profundidade e
superficialidade na compreensão e interpretação dos fatos. Quem pensa certo
é quem busca seriamente a segurança na argumentação, e é o que discordando
do seu oponente, não tem o porquê contrair uma raiva desmedida. Quem observa,
o faz segundo um ponto de vista, mas não por isso situa o observador em erro,
uma vez que o erro não está em ter um ponto de vista, mas absolutizá-lo e
desconhecer que, mesmo do acerto do seu ponto de vista é possível que a razão
ética nem sempre esteja com ele. O inacabamento do ser ou sua inconclusão é
próprio da experiência vital, onde há vida, há inacabamento. A diferença
entre um ser inacabado e o ser determinado é que o primeiro muito embora seja
condicionado, tem consciência do inacabamento. O ser inacabado sabe que a
passagem pelo mundo não é pré-determinada, pré-estabelecida, e o seu
“destino” não é um dado mas algo que precisa ser feito e de sua própria
responsabilidade.
Para ter segurança o professor deve estudar e preparar suas aulas, deve se
esforçar para estar à altura de sua profissão. O esforço para atingir estas
metas fornece a moral necessária para que o professor transpareça a segurança
de seus conhecimentos e sua autoridade nos assuntos que vai ensinar. É ouvindo
o aluno com paciência e criticamente que aprendemos a falar com ele. Aprendendo
a escutar o educando, ouvindo suas dúvidas, em seus receios, em sua incompetência
provisória, faz com que o docente aprenda a falar com ele. O bom professor deve
ser curioso e deve provocar curiosidade. Esta curiosidade deve ser incentivada
para que mantenha viva a chama do querer saber, do querer entender. Se esta
troca não ocorrer, com o tempo o professor se verá diante de uma situação
quase estática, paternalista da maneira de ensinar, que impedem o exercício
livre da curiosidade. A curiosidade deve ser democrática. A curiosidade que
silencia a outra se nega a si própria. A educação deve também servir de meio
e forma para transformações sociais, mas deve-se ter consciência da sua
indevida utilização como meio de reprodução de ideologias dominantes. Na
opinião de Paulo Freire, não é possível ao bom professor ser um ser
completamente apolítico, dado que estará expondo suas opiniões e ensinando
muitos conceitos baseados em sua visão de mundo. Mas podem demonstrar que é
possível mudar. E isto reforça nele ou nela a importância de sua tarefa político–pedagógica.
Esta abertura ao querer bem não significa que, como professor, obrigue a querer
bem todos os alunos de maneira igual. Significa, de fato, que a afetividade não
deve assustar o docente, que não deve ter medo de expressá-la. O professor
deve descartar como falsa a separação radical entre seriedade docente e
afetividade.
Nossa impressão geral do livro é que Paulo Freire escreve e discursa, acima de
tudo, com amor pelo que faz. O autor vai lentamente introduzindo conceitos que
se misturam e se complementam, às vezes de maneira sutil, e em outras ocasiões
de maneira objetiva e absolutamente sincera. Uma das principais mensagens que o
autor deixa nesta obra, ao nosso ver, é o significado do ensinar. É com a mais
brilhante vocação que o autor nos mostra em simples palavras que ensinar é
todo um processo de troca entre aluno e professor, onde ambos aprendem, ambos
adquirem e sanam dúvidas, ambos crescem como seres humanos. É a mensagem de
que para ensinar precisamos, antes de mais nada, ter a consciência da importância
e da beleza desta tarefa, da importância de se poder fazer a diferença num
sistema socio-econômico-político com certezas às vezes tão opressoras e cruéis
àqueles que não dispõe de meios financeiros para obter cultura e informação.
Enfim, o professor Paulo Freire nos dá uma aula de ensinar, e nos fornece com
um pensamento livre e despojado uma grande inspiração: de que ensinar vale a
pena.
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