UTILIZANDO A INFORMÁTICA
NA EDUCAÇÃO ESPECIAL - RECURSOS DA ACESSIBILIDADE
MICHELLE DE ALMEIDA COSTA
Orientadora: Ranilce M. Guimarães
APRESENTAÇÃO
Os últimos anos foram marcados por um crescente movimento educacional que visa
a inclusão das pessoas portadoras de deficiência na escola regular. As
transformações necessárias para que a inclusão de fato ocorra são muitas e
profundas, envolvendo questões pedagógicas, gestão e organização escolar,
sem citar as repercussões éticas e culturais que devem suportá-las (Mantoan,
1998). A inclusão ainda não é uma realidade; como outras inovações
educacionais, levará tempo até que as mudanças necessárias se instalem e
orientem novas ações educacionais. No entanto, já se pode vislumbrar uma
importante mudança no que diz respeito à concepção da condição de
deficiente. Durante muitos anos a Educação Especial adotou como referência um
modelo idealizado de sujeito que é capaz, perfeito, completo, considerado o
"padrão de normalidade" e que, todos sabemos, não existe. As
circunstâncias em que se dão as atividades humanas e a diversidade delas é tão
grande que seria ilusório tentar caracterizar o que vem a ser
"normal". Canguilhem (1995) observa na área da Fisiologia que:
Qualquer observador é capaz de perceber a diversidade de condutas, talentos,
estilos, personalidades que convivem nas diversas esferas de atividade social e
que atestam, exatamente, aquilo que cada um de nós é. Na educação isto não
é diferente. Nem na escola regular, tampouco na escola especial.
A utilização de recursos da informática na área de Educação Especial
representa um importante papel no sentido de facilitar e socializar a produção
dos conhecimentos culturalmente construídos e que se encontravam fora do
alcance dessas pessoas (Jannuzzi, 1998). Assim, ao mesmo tempo que o computador
pode servir como um recurso facilitador na execução de uma série de
atividades (leitura, escrita, armazenamento de dados, acesso e disponibilização
de informações) pode, também, assumir um caráter complicador porque,
potencialmente, desencadeia
"situações inusitadas que requerem engajamento, flexibilização de
objetivos e avaliação contínua, visando à criação de ambientes de
aprendizagem que favoreçam a construção de conhecimentos cognitivos"
, o desenvolvimento social e afetivo do sujeito (Freire e Prado, 1998).
OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL
OBJETIVO ESPECIFÍCO
I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Com muita freqüência a criança portadora de alguma deficiência, física ou
mental, por suas próprias limitações motoras e/ou sociais, agravadas por um
tratamento paternalista não valorizador de suas potencialidades, cresce com uma
restrita interação com o meio e a realidade que a cerca. Muitas vezes, se não
for adequadamente estimulada, assume posições de passividade diante da
realidade e na solução de seus próprios problemas diários. É condicionada a
que outros resolvam os seus problemas e até pensem por ela.
Conforme Valente,
“As crianças com deficiência (física, auditiva, visual ou
mental) têm dificuldades que limitam sua capacidade de interagir com o
mundo. Estas dificuldades podem impedir que estas crianças desenvolvam
habilidades que formam a base do seu processo de aprendizagem.”
(Valente, 1991,p.1).
Se, conforme Piaget, as crianças são construtoras do próprio conhecimento,
quando portadoras de deficiência essa construção, portanto, pode ser limitada
pela restrita interação das mesmas com o seu ambiente. E é nesta interação
que, segundo Papert, através da ação física ou mental do indivíduo, se dão
as condições para a construção do conhecimento. Sobre a importância, para o
aprendizado, das interações no mundo, enfatiza Papert:
“O Construcionismo, minha reconstrução pessoal do Construtivismo,...
atribui especial importância ao papel das construções no mundo como apoio
para o que ocorreu na cabeça, tornando-se, deste modo, menos uma doutrina
puramente mentalista.” (Papert, 1994, p. 128)
E quando estas crianças com necessidades educacionais especiais ingressam em um
sistema educativo tradicional, em uma escola tradicional, seja especial ou
regular, freqüentemente vivenciam interações que reforçam uma postura de
passividade diante de sua realidade, de seu meio. Freqüentemente são
submetidas a um paradigma educacional no qual elas continuam a ser o objeto, e não
o sujeito, de seus próprios processos. Paradigma esse que, ao contrário de
educar para a independência, para a autonomia, para a liberdade no pensar e no
agir, reforça esquemas de dependência e submissão. São vistas e tratadas
como receptoras de informações e não como construtoras de seus próprios
conhecimentos.
Exatamente pelas dificuldades e atrasos que estes alunos com necessidades
especiais, apresentam em seu desenvolvimento global, é vital, com mais
ênfase nestes casos, oferecer-lhes um ambiente de aprendizagem que os ajude a
abandonar essa postura passiva de receptores de conhecimento. Um ambiente onde
sejam valorizadas e estimuladas a sua criatividade e iniciativa, possibilitando
uma maior interação com as pessoas e com o meio em que vivem, partindo não de
suas limitações e dificuldades, mas da ênfase no potencial de desenvolvimento
que cada um trás em si, confiando e apostando nas suas capacidades, aspirações
mais profundas e desejos de crescimento e integração na comunidade.
Por outro lado, é sabido que o computador vem se tornando cada vez mais um
instrumento importante de nossa cultura, e o ambiente computacional e telemático,
um meio de inserção e interação com o mundo, se adequadamente utilizado.
Vygostsky considerou como fator importante no desenvolvimento humano, o processo
de apropriação das experiências presentes na cultura por cada indivíduo. O
autor dá enorme importância à ação, à linguagem e à aprendizagem na
construção de estruturas mentais superiores (VYGOTSKY, 1987). O acesso aos
recursos oferecidos pela sociedade, pela cultura, escola, tecnologias, etc.,
influenciam determinantemente nos processos de aprendizagem da pessoa.
Mas a limitação do indivíduo, quando portador de deficiência, tende a
tornar-se uma barreira a este aprendizado. Desenvolver recursos de
acessibilidade seria uma maneira concreta de neutralizar as barreiras e inserir
esse indivíduo nos ambientes ricos para a aprendizagem, proporcionados pela
cultura. Outra dificuldade que as limitações de interação trazem consigo são
os preconceitos a que o indivíduo portador de deficiência está sujeito.
Desenvolver recursos de acessibilidade também pode significar combater esses
preconceitos, pois, no momento em que lhe são dadas as condições para
interagir e aprender, explicitando o seu pensamento, o indivíduo com deficiência
mais facilmente será tratado como um "diferente-igual"... Ou seja,
"diferente" por sua condição de portador de necessidades especiais,
mas ao mesmo tempo "igual" por interagir, relacionar-se e competir em
seu meio com recursos mais poderosos, proporcionados pelas adaptações de
acessibilidade de que dispõe. É visto como "igual", portanto, na
medida em que suas "diferenças" cada vez mais são situadas e se
assemelham com as diferenças intrínsecas existentes entre todos os seres
humanos. Esse indivíduo poderá, então, dar passos maiores em direção a
eliminação das discriminações, como conseqüência do respeito conquistado
com a convivência, aumentando sua auto-estima, porque passa a poder explicitar
melhor seu potencial e pensamentos.
É sabido que as novas Tecnologias da Informação e da Comunicação
(TIC) vêm se tornando, de forma crescente, importantes
instrumentos de nossa cultura e, sua utilização, um meio concreto de
inclusão e interação no mundo (LEVY, 1999).
Esta constatação é ainda mais evidente e verdadeira quando nos referimos a
pessoas com necessidades especiais.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo, Ed. 34, 1999.
VYGOTSKY, L. A Formação Social da Mente. S.P., Martim Fontes, 1987.
PAPERT, Seymour. A Máquina
das Crianças: Repensando a Escola na Era da Informática. Porto Alegre,
Artes Médicas, 1994.
VALENTE, José Armando.
(Org.), Liberando a Mente: Computadores na Educação Especial. Campinas,
UNICAMP, 1991.
________. Computadores
e Conhecimento: Repensando a Educação. Campinas, UNICAMP, 1993.
CEDAL. Saberes que
Circulam: Uma Educação que se Interroga. Comunicando. Paris, France, 1994.
Número especial.
FAGUNDES, Léa da Cruz.
A Inteligência Construída, A Inteligência Distribuída. Pátio, v. 1,
n. 1, maio/jul. 1997.
MACEDO, Lino de .Ensaios
Construtivistas. São Paulo: Casa do Psicólogo,1994.
MACEDO, Lino de. Piaget
e a Nossa Inteligência. Pátio. v. 1, n. 1, maio/jul. 1997.
PIAGET, Jean. A
Equilibração das Estruturas Cognitivas: Problema Central de
Desenvolvimento. Trad. Marion M. Penna. Rio de Janeiro, Zahar, 1976.
Multiplicidade de recursos disponíveis Atualmente existe uma infinidade de
programas computacionais que são utilizados na Educação Especial com
diferentes objetivos pedagógicos como aplicativos (editores de desenho, de
texto, de apresentações), jogos educativos, simulações, hipertextos,
linguagens de programação, correio eletrônico, chats, programas multimídia,
entre outros. Também se encontram dispositivos que facilitam o acesso de
sujeitos com diferentes tipos de problemas (deficientes físicos, surdos, cegos)
ao computador, como telas sensíveis a toque, sintetizadores de voz, mouses
e teclados especiais, capacetes com ponteiros etc.. Como exemplo,
podem-se citar os sistemas de comunicação que se baseiam no uso de acionadores
e de software com recursos de varredura desenvolvidos para sujeitos com
dificuldades de produção grave (paralisia cerebral, afasia acompanhada de
hemiplegia, distrofia muscular progressiva, autismo, surdez)1.
Os acionadores substituem o mouse e são extremamente sensíveis, podendo
ser disparados com um leve balanço da cabeça, sendo indicados para sujeitos
com graves transtornos motores. Os programas de varredura apresentam na tela um
figuras (imagens, símbolos, letras, números, palavras) que compõem um sistema
alternativo de comunicação para ser usado pelo sujeito. Um cursor luminoso vai
percorrendo a tela e o sujeito dispara o acionador ao atingir a figura desejada.
Também os cegos já podem utilizar sistemas que fazem a leitura da tela e de
arquivos por meio de um alto-falante; teclados especiais que têm pinos metálicos
que se levantam formando caracteres sensíveis ao tato e que
"traduzem" as informações que estão na tela ou que estão sendo
digitadas e impressoras que imprimem caracteres em Braille. Não resta dúvida
que estes avanços tecnológicos são de fundamental importância para estas
pessoas não somente no âmbito educacional como também no uso doméstico e
profissional.
A utilização de recursos tecnológicos na educação de sujeitos com
necessidades especiais tem como meta, portanto, opor-se aos métodos mais
tradicionais empregados na (re)educação e (re)habilitação destas populações
(Valente, 1997; Mantoan e Valente, 1997; Valente, 1999). Neste sentido, não se
trata de usar uma ferramenta tecnológica com o objetivo de “corrigir” uma
“anormalidade intelectual” (física, sensorial, cognitiva). Mais do que
oferecer assistência às necessidades do sujeito é uma maneira de desenvolver
seu potencial cognitivo, criativo e humano. Afasta-se, assim, das propostas
educacionais que centram-se em métodos e técnicas na tentativa de corrigir ou
minimizar tais desvios2.
Também não se prende a organizar (para o sujeito) o mundo (os conhecimentos)
em pequenas porções meticulosamente divididas seguindo uma ordem pré-estabelecida.
Tal abordagem educacional procura as marcas particulares de cada sujeito
dando-lhe oportunidade – por meio de atividades significativas – de colocar
em ação seus conhecimentos, talentos e, obviamente, dificuldades, "interessa-nos,
acima de tudo, uma opção educacional que respalde e oriente o desenvolvimento
de uma proposta pedagógica que contemple as particularidades de cada sujeito e,
simultaneamente, as expectativas e necessidades do grupo social do qual faz
parte (...) dois eixos complementares no trabalho pedagógico" (Freire
e Prado, 1998).
Conclusão Este modo de conceber a utilização significativa de diferentes
recursos tecnológicos na educação de sujeitos com necessidades especiais
assenta-se, sobretudo, numa mudança de concepção sobre
"normalidade". A flexibilização de conceitos dicotômicos -
normal/anormal, deficiente/completo, capaz/incapaz, adequado/inadequado - é de
fundamental importância para que uma nova atitude substitua velhos preconceitos
que levam a uma visão negativa e imobilizadora da condição de diferente. Isto
não significa negar as dificuldades, os problemas, as alterações que, muitas
vezes, determinam padrões afetivos, cognitivos, sociais não apropriados sob
determinadas circunstâncias. É exatamente nesse continuun - o que funciona
e não funciona - que se pode entrever aspectos que podem e devem ser
aproveitados no trabalho pedagógico com vistas a desencadear novas
aprendizagens, compreensões, atitudes e valores.
1 A Associação Educacional
Quero-Quero de Reabilitação Motora e Educação Especial (São Paulo - SP) é
uma escola que oferece este tipo de recurso aos seus alunos. Também o trabalho
desenvolvido no Laboratório de Análises Experimentais de Cognição e
Linguagem do Instituto de Psicologia Experimental da Universidade Estadual de são
Paulo (USP) tem implementado e testado vários destes recursos tecnológicos.
2 Se, em algum momento do
processo educativo, é necessário focar um ou outro aspecto de um dado
conhecimento isto se faz em função daquilo que pode ser observado da ação do
sujeito em diferentes situações de aprendizagem.
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